Agora desaparecem todos os argumentos de que Lula nunca teria atuado em favor de empreiteiras. Um documento oficial, disparado pelo Ministro Miguel Jorge é a prova que a Polícia Federal, o Ministério Público e a Justiça Federal precisavam e buscavam para fechar o intrincado esquema de corrupção montado na Presidência da República.
Leia a matéria publicada no Estadão agora à tarde, assinada pelos jornalistas POR MATEUS COUTINHO, RICARDO BRANDT, FAUSTO MACEDO E JULIA AFFONSO.
Miguel Jorge, então titular do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, escreveu mensagem em fevereiro de 2009, após almoço do petista com o então presidente da Namíbia; analistas da PF dizem que ‘PR’ significa presidente da República
A análise das trocas de e-mails do empresário Marcelo Bahia Odebrecht e seus executivos revela a proximidade da maior empreiteira do País com Luiz Inácio Lula da Silva, durante seus dois mandatos (2003-2006 e 2007-2010), assessores e ministros do petista e as tratativas para atuação do ex-presidente em defesa dos interesses da construtora em negócios dentro e fora do Brasil.
Em um e-mail, segundo avaliação da PF, Odebrecht e dois executivos da empreiteira, Marcos Wilson e Luiz Antonio Mameri, conversam com o então ministro de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge. “Miguel Jorge afirma que esteve com os presidentes (do Brasil e da Namíbia) e que ‘PR fez o lobby’, provável referência ao presidente Lula”, registra análise prévia feita pela PF.
Na época, o presidente do país africano era Hifikepunye Pohamba. Em 11 de fevereiro de 2009, Lula o recebeu para um almoço no Itamaraty.
Documento
O primeiro e-mail analisado da série é de 6 de fevereiro de 2009. Odebrecht e executivos do grupo falam do convite do presidente Lula para almoço com o presidente da Namíbia. “Marcelo, o Presidente Lula está lhe fazendo um convite para participa de um almoço, com o Presidente da Namíbia, no dia 11/02 (quarta-feira), às 13h00, no Itamaraty, salão Brasília.”
No e-mail, o executivo informa: “Entendo que pode ser uma boa oportunidade função de nossa hidrelétrica. Seria importante eu enviar uma nota memória antes via Alexandrino com eventualmente algum pedido que Lula deve fazer por nós”.
Alexandrino Alencar, executivo ligado ao Grupo Odebrecht, o presidente da maior empreiteira do País, Marcelo Odebrecht, e outros três ex-dirigentes da companhia foram presos na Erga Omnes. Eles completaram 100 dias de cárcere no último domingo, 27.
Eram 9h56 do dia 11 de fevereiro de 2011, quando o executivo da Odebrecht Marcos Wilson escreveu para o ministro. “Miguel, se você estiver com o presidente Lula e o da Namíbia é importante que esteja informado sobre esta negociação e, se houver oportunidade manifestar sua confiança na capacidade desta multinacional brasileira chamada Odebrecht.”
O projeto em questão, descrito no e-mail, é o de uma hidrelétrica, a Binacional Baynes, que envolvia um consórcio brasileiro formado pela Odebrecht com a Engevix – duas empreiteiras acusadas de corrupção na Lava Jato – e as estatais Eletrobrás e Furnas, junto com a Namíbia e Angola. Investimento de US$ 800 milhões.
Às 17h21, o então ministro respondeu ao executivo. “Estive e o PR fez o lobby. Aliás o PR da Namíbia é quem começou – disse que será licitação, mas que torce muito para que os brasileiros ganhem, o que é meio caminho andado.”
Para os investigadores, a sigla “PR” é uma referência ao presidente da República, usada em várias outras trocas de e-mails. A mensagem eletrônica foi depois copiada a Marcelo Odebrecht.
Seminarista. Os e-mails analisados pela PF, resultado da abertura de computadores e caixas de mensagens recolhidos nas sedes da Odebrecht, alvo de buscas em 19 de junho, quando o empresário e outros cinco executivos do grupo foram presos pela Lava Jato, revelam o monitoramento e as tentativas de influir nas agendas do presidente Lula durante seu governo.
São mensagens que começam em 2005 e seguem até o último ano de mandato do presidente Lula, em 2010, convites de almoço, pedidos de encontro e atuação do chefe da República em nome da empreiteira em países como Venezuela, Peru, Angola e dentro do próprio governo.
Alexandrino, como se observa no corpos das mensagens é um dos principais canais da empreiteira com o governo Lula.
No governo, um dos alvos é uma pessoa identificada como “Seminarista” nas trocas de mensagens, que para a PF é o ex-chefe de gabinete de Lula Gilberto Carvalho. Em maio de 2005, por exemplo, a secretária de Odebrecht encaminha documento para Alexandrino Alencar – executivo preso pela Lava Jato. “Dr. Marcelo pede-lhe a gentileza de encaminhar ao Seminarista e informar que o encontro com o Presidente está previsto para amanhã às 10h30″, informa.
Em setembro de 2009, e-mail de Darci Luz encaminhou para funcionário da Odebrecht, mensagem trocada entre Marcelo Odebrecht e executivos do grupo “sobre investimentos e encontro com o Presidente do Peru, Alan Garcia, e eventual mensagem ou orientação por parte do presidente Lula”.
“Seria importante verificarmos com nosso amigo se existe alguma mensagem ou orientação por parte do Pres. Lula para minha conversa com Alan Garcia.”
Em outra mensagem aberta nos computadores apreendidos pela Lava Jato, Odebrecht encaminha e-mail para outros executivos, em outubro de 2007, e na conversa usa siglas e trata da agenda de Lula, que estava em visita a Angola.
“Aparentemente, os executivos da Odebecht mantêm contatos com autoridades da embaixada a fim de colocar em pauta, no encontro, assuntos de interesse da construtora”, registra análise da PF.
Com o título “Agenda Lula – URGENTE”, há citação a contatos no Itamaraty e o pedido para inclusão de Emílio Odebrecht – pai de Marcelo – em agenda do presidente “Rubio já fez os primeiros contatos junto ao Ita e me informou que é tradição: cabe ao anfitrião a escolha dos 20 convidados.”
Na visita, nos dias 17 e 18 de outubro, o empresário monitora a agenda do presidente Lula, lembra que da última vez o pai, Emílio, foi um dos convidados e reitera o pedido para incluir representante da empresa no evento. “Importante incluir Emílio no almoço. Novamente, segundo o Embaixador, é lado daí quem decide”
No mesmo ano de 2007, Odebrecht recorre ao “Seminarista” para resolver um problema da empreiteira com um dos ministros do governo Lula. Marcelo pede a Alexandrino que acione o “seminarista” para tratar de um leilão em que a empresa participava e questiona a postura do então ministro de Minas e Energia, Nelson Hubner.
“Alex, O Hubner está querendo jogar o PR ainda mais contra nós. Importante você fazer esta mensagem chegar no seminarista ainda hoje”.
Para a PF, a sigla “PR” é referência ao presidente e “seminarista”, o chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho.
Os documentos analisados pela PF foram anexados na última sexta-feira, 25, aos autos da Lava Jato pelo delegado Eduardo da Silva Mauat. São uma pequena parte dos 392.842 mensagens abertas, sendo que nesse levantamento foram analisados grupos específicos de mensagens de interesse.
COM A PALAVRA, O EX-PRESIDENTE LULA
Nota da assessoria de imprensa do Instituto Lula:
“O e-mail é de autoria do ex-ministro Miguel Jorge, por isso cabe a ele falar sobre sua mensagem, que indica que o assunto foi levantado pelo presidente da Namíbia, dentro das relações entre os dois países. O Itamaraty detém as informações sobre o referido almoço e os presentes na recepção ao presidente da Namíbia. A visita oficial e o almoço do presidente da Namíbia fizeram parte da agenda do ex-presidente , publicamente divulgada para a imprensa naquele dia.”
Nota da assessoria de imprensa do Instituto Lula:
“O e-mail é de autoria do ex-ministro Miguel Jorge, por isso cabe a ele falar sobre sua mensagem, que indica que o assunto foi levantado pelo presidente da Namíbia, dentro das relações entre os dois países. O Itamaraty detém as informações sobre o referido almoço e os presentes na recepção ao presidente da Namíbia. A visita oficial e o almoço do presidente da Namíbia fizeram parte da agenda do ex-presidente , publicamente divulgada para a imprensa naquele dia.”
COM A PALAVRA, O EX-MINISTRO MIGUEL JORGE
Por e-mail, Miguel Jorge esclareceu: “Eu não me lembro desse episódio nem de como foi a reunião entre os dois presidentes, mas havia uma atuação institucional em favor de empresas brasileiras, sendo a Embraer uma espécie de cartão de visita da capacidade da indústria nacional. Em praticamente todas as viagens do presidente, havia reuniões com empresas, embora elas não viajassem com ele – mas, sempre, havia uma reunião pública e aberta, em que falavam o PR e ministros (das Relações Exteriores, ou do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, ou da Agricultura (nessas duas regiões, havia um enorme interesse pelo trabalho de pesquisa da Embrapa). Nas reuniões do PR com outros presidentes, das quais participei, não havia a presença de empresas.
Durante meu tempo no Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, organizei mais de 10 missões comerciais, usando o Sucatão da Presidência, e cerca de mil empresas participaram dessas missões – empresas grandes, como Embraer, Sadia etc – e muitas médias e pequenas, que aliás, eram nossa prioridade.”
COM A PALAVRA, A ODEBRECHT
“A Odebrecht esclarece que os trechos de mensagens eletrônicas divulgados apenas registram uma atuação institucional legítima e natural da empresa e sua participação nos debates de projetos estratégicos para o País — nos quais atua, em especial como investidora. A empresa lamenta, no entanto, a divulgação e interpretações equivocadas sobre mensagens sem qualquer relação com o processo em curso.
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